quinta-feira, 30 de junho de 2011

Aurora de Viver



Algumas pessoas não são apenas pessoas, são presentes que surgem assim do nada, como novos suspiros de vida na existência da gente.
É triste esse existir sempre incompleto, esse "eu" sempre parcial... E vivemos nessa busca por nos completar-mos e por faltar-se sempre. Essa falta de nós mesmos. Essa falta de "ser" (ou ser-nos).
Somos um imenso buraco negro da existência buscando ser vida, sugando para dentro de nós qualquer coisa, sentimento ou ilusão que nos distancie do vácuo já tão inerente. Mas como um vampiro que busca o seu "néctar", a sua essência sanguinolenta, vagamos nós na noite de todo dia em busca de um amanhecer imenso e branco dentro de nossos corações.
Algumas pessoas são assim... Simplesmente lindas auroras sobre o mar, maresia em nossos cabelos, areia fina e dourada debaixo de nossos pés. São uma explosão em uma carícia.
Um fôlego de vida.
Algumas pessoas são sempre bem vindas.
Resfolegamo-nos em braços de mar que nos ensinam que podemos ir mais além. Que todo mar é apenas uma ponta do oceano. São abraços do tamanho do mundo e olhos onde cabem constelações. O céu e o mar dentro de um mesmo abraço. Algumas pessoas são assim: completas. Lindas.
Algumas pessoas são apenas completamente lindas. Elas acabam por preencher o cinza de nossas telas desbotadas. Surgem as cores rubras e coradas. Emerge aquela velatura sobre os corpos. Corpos banhados de mar, corpos banhados de luz. Sol e Mar, corpo e alma.
A existência sucumbe. A vaguidão se especifica. O vazio se preenche. O coração desperta. E a vida é sempre nova em cada despertar.
Algumas pessoas são um esplêndido amanhecer.

terça-feira, 28 de junho de 2011

"Que o meu amor é bem maior que tudo o que existe"

"Ando devagar porque já tive pressa e levo este sorriso porque já chorei demais"

Viver por vezes me parece ser uma corrida contra todos os vazios que m'assolam o peito, uma incansável busca por tudo aquilo que me falta e por criar as oportunidades para gastar os itens que me sobram no estoque da existência. Viver por vezes me parece esgotar todas as possibilidades para, enfim, raiar a noite.

Contudo, depois de mui correr por entre e dentre as vielas mais coloridas e mais sombrias de verões e invernos, acabo de chegar onde nunca outrora estive: em mim. Passear pelos jardins de tantos rostos e sorrisos acabou por ensinar-me a ler faces ocultas em frases feitas. Também pôs por sobre os meus ombros o peso de muitos amores dedicados a quem não merecia mais do que um aperto sociável de mão. Eis minha sina nas coisas do coração... Acabo sempre por entregá-lo a que não o vai guardar, cuidar e proteger. Assim, trago comigo as ranhuras de anos no front. Agora, decidi que o próximo arranhão será feito por mim mesmo.

"Você que tanto tempo faz, Você que eu não conheço mais. Você que um dia eu amei demais" saiba que pouco a pouco estou por matar o que te nutro. Não por ti. Não por mim. Por nós. Por nós que temos tanto amor para dar, mas quem amamos ama outrem - ou ninguém. Igual situação. Igual comoção? Acho que não. Que fique entre nós essa ambígua sinonímia e contigo a certeza de que sempre fiz por ti (e por teu "quem") o que não fiz por mim. E agora que eu te disse parece que as portas se abriram para que voes de dentro de mim. O abraço do meu coração aguarda outro alguém.

Alguém de longe, de tão longe que por tanto tempo estava próximo, rondando minha sombra, à côte de mes amis, chegou calmamente e deveras rapidamente fez sintilar os cacos de vidro que chamo de coração. Há ele de bater novamente? Desta vez não será como outrora, antes de me doar hei de esperar por uma alvorada em um olhar, por um entardecer na voz, por um luar de noite branca no sorriso... Por um convite ao singelo e puro no trincar dos lábios. Se houver disposição, venha então.

domingo, 26 de junho de 2011

Amores ...



Sentimentalidades foi um termo que me marcou pela primeira vez quando ouvi-lo na música da Marisa Monte – Amor I Love you – enquanto seguia à casa de uma tia para lá deixar a minha irmã que passaria o final de semana com nossas primas. Era, na verdade, uma citação de Machado de Assis dentro da canção. À época ainda não tinha idéia de que a literatura viria a ser essa sine qua non condição à minha existência. O termo, todavia, nunca me saíra da cabeça. Aquele som estranho, novo, bem particular, mas incomum: sen-ti-mental-idades.

O final da infância, a chegada à adolescência e o vislumbre de uma idade adulta - que mais parece ser um cerceamento de toda a felicidade contida no parquinho e nas coleções de bonecos de Os Cavaleiros do Zodíaco do que o atingimento da independência e da autogestão - acabou por deixar guardado na gaveta do inconsciente a curiosa palavra machadiana. A caminhada, rápida ou vagarosa, a todos é comum no que se volta ao acúmulo. Acumulamos lugares, coisas, cheiros, texturas, nuances, pessoas... Palavras, canções, cenas. Acumulamos a nós mesmos, inclusive: as muitas faces que vamos tendo na medida em que a vida nos gera novamente, pois o mundo é uma grande placenta e os itens da lista de acumulados são nossos nutrientes embrionários. Dentro da minha nutrição, aquela música que ouvi em uma tarde de sol amuado e tímido dentro de um carro engordou-me a raiz, fermentou-me a seiva, floriu a ponta de meus brotos gmininospérmicos.

Sem muito de mim mesmo, ainda mui novo, cabeleira assanhada e farda azul e branca, cores bragantinas, acabei por aprender na escola assunto que plano didático algum contempla, mas a vida ensina. Aprendi que o coração não apenas pulsa e impulsiona o sangue por dentro do corpo. Ele bate inexplicáveis coisas da alma. Sem muito jeito eu fui aprendendo essas coisinhas da mesma forma como aprendi a andar de bicicleta. Lembro-me de papai atrás de mim a segurar na cela e correr e correr até que o equilíbrio me viesse. Quando ele soltava a “bike” – como chamávamos à época – logo a pouco me ia ao chão como quem corre para abraçar alguém que volta para casa após longo tempo longe. Amar nunca é fácil e, assim como a andar de bicicleta, demora-se um pouco a aprender, contudo quando se aprende “nunca se esquece”. Meu primeiro amor foi sem jeito, sem ação, sem pedido e sem resposta. Também o foi sem choro e sem vela. Era apenas um gajo que nada sabia da vida descobrindo a sua América bravia em mares nunca d’antes navegados.

Outros amores vieram. Não muitos. Não longos e nem curtos. Apenas amores pueris e encantados como nos contos dos desenhos animados com suas fadas prontas a fabricar uma peripécia a que tudo termine em felicidade no final, mas sem um beijo de amor que selava a eternidade. O mais próximo que chegamos o eterno é o efêmero. De todos os amores que eu amei dois destaquei para jamais esquecer porque sem eles o meu hoje seria como ontem. São marcas de ferro que ardem como abraço e que forjaram as minhas curvas e retas. A cada um desses amores eu diria: a ti quem hoje sou e a minha gratidão por isso. Por ti que tanto esperei, por ti que em mim tomei, por ti que curti sem lei, por ti que noutro mar navegar deixei apenas na minha saudade fiquei. Não a saudade de ter-te em mim, haja vista que na memória te tenho, mas a saudade de quem fui - tão pequeno - na tua grandeza que me engolia.

Amores amigos. Amigos amores. Amigos-amantes. Tão tênue é a linha que divide os sentimentos que nos povoam, que nos nutrem a vida. Coisinhas da alma. Brincadeira de criança que no pique-esconde acha doces e balas, acha pessoas. Uma das músicas mais bonitas de um filme que considero obra prima da Disney diz que “sentimentos são fáceis de mudar mesmo entre quem não vê que alguém pode ser seu par”. Assim, amigos podem tornar-se amantes, até mesmo porque são amantes fraternais em todo o caso. É apenas uma mudança de amor, ou uma mudança no amor. Buscar entender recai na mania humana de querer enxergar tudo pela mente. Por que não usar os olhos do coração? A mente ama? É ela capaz de comutar dois em uma unidade? Será mérito da mente quando ficamos acordados esperando o telefone tocar? A porta se abrir? Um abraço nos encontrar? Foi a mente quem ditou aquelas palavras no pedaço de papel de caderno que trouxe palavras tão bonitas que mais pareciam um verso em caligrafia de primário? Não é a mente que nos deixar a voar, mas é ela quem no apercebe para isso.

Quando amei sem saber o que era isso, o que se fazia com isso e qual analgésico ou médico do livrinho do plano de saúde procurar para curar essa tinha nada mais do que uma década e poucos. Gajo branquelo, cabelo acinzentado, bochechas fartas, olhar desinteressado, total alienação do mundo e muitos sonhos. As frivolidades de minha idade e condição fizeram-me refém do que me tomava de dentro para fora. Foram jovens anos de uma intensa sensação de incapacidade. Não cabia em mim tudo o que me aflorava. O que fazer? Como lançar de mim essa coisa branca, vermelha, azul, laranja, rosa, verde, amarela e luminosa que emana da alma sem lançar junto um pedaço de mim? Na dúvida, trouxe comigo até minha atual idade. E ao longo de todas as idades acumulei como ourives aos seus diamantes. Um dia quiçá dormirei numa cama de mil quilates e cada um deles me trará à boca o sabor do beijo que selei, o cheiro do cabelo que acariciei e a ranhura da pele na qual me enlacei devoto. Meus amores em meus quilates, meus diamantes e suas idades, as idades de meus amores, as idades de minhas lembranças. As somas de mim mesmo.

A cá que só estou, sento-me ao lado de mim mesmo e abraço a aurora negra da meia noite, permeado das graciosas lembranças dos amores que tive. Amados a consumo e contento. Sonhados e chorados com desalento. Cada qual com sua história.
Cada qual sem fim.
Cada qual a ti, ó min’alma, ofertado.
Cada qual na mente registrado e no peito guarnecido.
Cada qual com sua idade e duração, efêmera e eterna.
Todos eles sentimentalidades na imensidão daquela tarde de sol frio que jamais deixou a minha consciência por anunciar o que nunca me deixaria o coração.